Por Paulo Ricardo
O processo de evangelização sofrido pelo povo Paiter Suruí é o tema desse documentário filmado como ficção, carregado de beleza, melancolia e contemplação.
Perpera é o ex-pajé demonizado pelo pastor da igreja que se instalou na aldeia. Guardião de sabedorias ancestrais de cura, Perpera passa a ser evitado pelos parentes e só volta a ser aceito quando se converte à nova religião e torna-se porteiro e zelador da casa de culto. Não é um cargo fácil de ser aceito por um pajé.
Vemos o quanto Perpera não está à vontade e não se adapta, e sua ‘roupa de culto’ demonstra isso – as mangas muito compridas de sua camisa social são um sinal. E todo dia, depois do mecânico ritual de abrir e varrer o templo, Perpera senta-se à soleira da porta, na fronteira entre a floresta e a casa do invasor. Ele não ouve o sermão do pastor, prefere dar ouvidos ao barulho das vespas na árvore do pátio .
Desses silêncios e observações do ex-pajé é que se estabelece nossa compreensão da convivência de dois mundos. A aldeia, mostrada como primitiva no início do filme em sequências filmadas em 1969, e hoje, depois da chegada do homem branco, com energia elétrica, antenas parabólicas e celular, rende-se à modernização. Mas ainda insiste em resistir nas tradições, quando uma picada de cobra ou uma reza forte mostra-se mais eficaz do que qualquer aspirina. E embora o medo seja um sentimento onipresente, a sua crença e seus saberes seguem firmes. E até já conseguem usar as ferramentas do homem branco a seu favor: o Facebook, por exemplo, é um ótimo meio para se espalhar denúncias das derrubadas feitas por madeireiros na floresta.
Tá na netflix #FicaEmCasa e confere.
Fotos: Reprodução.