Por Paulo Ricardo
Primeiramente um ou dois acontecimentos históricos sobre este filme: a equipe é formada majoritariamente por mulheres negras em suas principais funções – direção, roteiro, fotografia, montagem, direção de arte, figurino e produção. Ele acaba de ser lançado no catálogo da Netflix.
A solitária Jerusa Anunciada (escreve com J), vivida elegantemente por Léa Garcia, está nos preparativos do seu aniversário enquanto espera pelos filhos e netos. Daí recebe a visita inesperada da pesquisadora Silvia, Débora Marçal, que está trabalhando num questionário sobre os hábitos de consumo e o uso do sabão em pó. As perguntas sistemáticas referente a esse tipo de pesquisa, como “você quer saber sobre o sabão?”, feitas por Silvia, provocam respostas subjetivas trazidas à tona pelas lembranças de Jerusa, de sua família de lavadeiras da beira do rio Saracura, do escravismo, da perseguição policial… são também memórias da formação de um povo.
A ancestralidade trazida do passado de Jerusa afeta o presente da médium Sílvia, e há uma transformação na personagem – aqui temos um elemento tipicamente afro-surrealista; o passado ancestral e místico influenciando o presente, além de momentos de quebra da realidade espácio-temporal.
A delicadeza de algumas sequências carregadas de feminino e feminismo ou sororidade já são clássicas: o abraço apertado que a solitária Jerusa dá em Sílvia ao receber um despretensioso parabéns pelo seu aniversário ou a sequência em que a entrevistadora lava sua calcinha suja de menstruação enquanto o sangue escorre pelo ralo do banheiro nos remetendo à fertilidade e a tanto sangue negro derramado são exemplos contundentes.




Fotos: Reprodução.