Por Paulo Ricardo
O filme de estreia de John Singleton, que nos deixou em 2019, está na Netflix. Os Donos da Rua é uma produção de 1990, e fez do seu realizador o mais jovem diretor a concorrer à estatueta do Oscar. Some-se a isso o fato dele ser um homem negro, e temos aí um evento! Ele tinha apenas 23 anos na época, e mais tarde disse que era só um jovem estudante de cinema que acreditava saber de tudo. Ele podia até não saber de tudo, mas seu roteiro e direção são coisas de mestre.
– aqueles pretos lá?- é, são eles.
Ouvimos tiros e partes de diálogos antes mesmo de subirem os créditos iniciais, paralelo a isso surge uma cartela:
“Um em cada 21 homens afro-estadunidense será assassinado. A maioria será morta por outro homem negro”
Singleton é cirúrgico ao nos apresentar como funciona o sistema e como ele impacta a vida do povo oprimido.
O gênero ‘filme de adolescente’ ganha outro tom na história (um tanto autobiográfica) dos três amigos negros, Tre, Dough e Rick, num subúrbio afro-estadunidense em Los Angeles. Eles aprendem, desde cedo, a conviver com o som dos helicópteros da polícia, como um constante sinal de vigilância do Estado com seu aparato opressor sobre a população negra, além de ter que lidar com corriqueiros assédios policial, de gente tão preta quanto eles:
“Você deveria ter atirado nele, seria um negro a menos”, diz o policial negro ao pai de Tre.
Os jovens negros crescem numa atmosfera nada propícia ao seu desenvolvimento como cidadãos, e eles aprendem isso muito cedo.
Numa exceção à figura do pai ausente, a relação pai/filho, aqui, é um dos pontos altos do roteiro.
Em entrevista à revista Vice, o diretor John Singleton contou como seu pai foi uma referência para criar o pai de Tre (Lawrence Fishburne). “Ele era muito engajado politicamente e muito consciente das questões de raça. Ele era o único pai solteiro do quarteirão, então os meus amigos o admiravam muito. Eu tenho que agradecer ao meu pai, nunca tive que crescer com muitas das inseguranças comuns em jovens negros.
Os Donos da Rua é um exemplar clássico do cinema denúncia, mas que em momento algum resvala para o panfletário. A força do seu roteiro, com personagens carregados de dúvidas e anseios, é garantia de uma obra que vai além da superfície do tema.


Fotos: Reprodução.