Por Téta Barbosa
Fiz planos e tracei metas para a realização desta tarefa que parece simples, vendo assim, de longe, mas que é pior do que zerar Alex Kid, sem morrer. Cheguei em casa cedo, como planejado, alonguei, respirei fundo, tomei uma cerveja e abri a porta do quarto: “é hoje, filho”.
Ele, que poderia fazer mimimi, engoliu o choro, encarou seu destino e proferiu as palavras mágicas, “vai, entra”.
E assim começamos a organização anual do guarda-roupa de Victor.
A ideia era limpar e se desfazer, desapega é o lema mas, já que íamos adentrar a caverna do dragão, o labirinto do minotauro e libertar os prisioneiros de Azkaban, incluindo aí roupas que não cabem mais, roupas que cabem mas nunca foram usadas, roupas que ninguém sabe de quem são e nem como foram parar lá, aproveitamos a oportunidade para arrumar.
Abrimos, em plena quinta-feira ensolarada, a porta do armário de Nárnia, sem saber ao certo o que nos esperava do outro lado dos cabides. Tiramos de lá poeira, meias sem par, provas antigas, duas ex namoradas, um restinho da infância e três sacos de roupas para doar. Enquanto esvaziávamos a terceira gaveta, chegamos ao momento tensão:
– Victor, me explica isso aqui.
– Calma mãe, eu juro que isso não é meu. Deve ser de um amigo. Juro.
– Victor Barbosa de Melo.
– Não sei como isso foi parar aí.
Nunca pensei em achar, no armário de Victor, uma camisa pólo branca com a marca do jacarezinho.
– Seu pequeno burguês enrustido.
– Mas eu nunca usei, juro.
A camisa pólo, apesar de ainda não legalizada lá em casa, ficou no cabide para casos de vai que….
A parte difícil da arrumação não é tirar, jogar fora e limpar mas, colocar de volta. Para isso usamos uma técnica avançada, criada por pesquisadores da Universidade de Monstros, e aperfeiçoada por anos de trabalho escravo (“Help, I slave”) na função de mãe: separamos as roupas por categorias.
A categoria blusa preta, por exemplo, inclui todas as camisas de bandas de rock, metal ou de desenhos estranhos que lembrem você sabe quem. Nessa classificação, entram também as blusas pretas que não são, necessariamente, pretas. Exemplo: a branca do Ramones, a cinza do Black Sabbath e a marrom do Iron Maiden. Isso, porque, claro, apesar de não serem camisas pretas, têm alma de camisas pretas. Tereza, nossa secretária do lar, claro que não vai saber separar as blusas por alma, uma vez que todas se encontrarem na democrática máquina de lavar. Aí já viu, vai lavar a branca do Ramones junto com a branca do jacarezinho. Pronto, está iniciada o embate do “durmo de meia” contra o “punk is not dead”, fazendo sua lavadora de roupas parar, por vezes, de funcionar, sem você saber exatamente a razão. Há mais coisas entre o sabão em pó e o amaciante, do que sonha sua vã filosofia têxtil.
Como havia mais categorias que gavetas, blusas de time dividem espaço, em perfeita harmonia, com as roupas de malhar, por óbvia identificação de tema esportivo. Cuecas e meias, no entanto, se estranharam um pouco por se encontrarem tão próximas, mesmo cobrindo partes tão distantes do corpo.
O problema mesmo foram as roupas de “ficar em casa”. Depois de duas gavetas inteiras de roupas de “ficar em casa” é que entendi a tática de Victor: toda e qualquer blusa que ele tinha pena de jogar fora ou doar ele jogava um “ah, eu sei que tá desbotada ou furada ou nem cabe em uma perna minha, mas dá pra ficar em casa, pô”. Isso durou até que nos deparamos com um pijama do Náutico que Victor ganhou aos dois anos de idade. Esperei ele dizer, para chocar a audiência, que dava pra usar em casa, no dedo mindinho, mas ele disse somente: essa não vai doar nem a pau. O que me fez criar uma nova categoria: roupas sentimentais.
No fim, contemplando aquele guarda-roupa limpo e organizado, fui em direção a Victor, com olhos marejados e braços abertos, mas antes de chegar perto, ele disse, cheio de amor no coração:
–Se tiver abraço coletivo, eu vou morar com meu pai.
Ah, os filhos! Só love, só love.
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Imagem: Reprodução.